BLOG PARA DIVULGAÇÃO DA LITERATURA RUSSA AOS FALANTES DE LÍNGUA PORTUGUESA.

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Contém spoilers. Edição lida: Cosac Naify, 2014.

Oblómov” foi uma leitura extremamente lenta, como pode ser verificado no meu histórico de leitura do Skoob. 

Um livro longamente desejado, me indicaram em 2009, e só esse ano consegui por meus dedinhos nele. Tendo isso em conta, achei que o devoraria em uma bocada só – a despeito do tamanho – mas não foi assim; comecei em janeiro, parei por longo tempo, só fui pegar de volta em setembro e conclui-lo em outubro. Diante desses dados, poderia parecer que eu não gostei do livro, que ele foi tedioso. Eu mesma pensava assim, até conclui-lo.
O toque magistral de Oblómov é que mesmo esse ritmo lento da leitura, esse “arrastar-se” da história, ajuda a compor o quadro que o autor quer colocar diante dos nossos olhos, e se harmoniza perfeitamente com a obra em si.
Como aponta o comentarista cujo texto foi incluído no fim dessa edição, a própria falta de enredo de “Oblómov” – no sentido em que não há, rigidamente falando, uma HISTÓRIA estruturando o livro – é o seu enredo. Porque a vida de Oblómov se passa assim: um dia depois do outro, numa repetição infinita, sem grandes mudanças, sem grandes eventos – pouca coisa que mereça ser objeto de uma narrativa.


O AUTOR
Ivan Gontcharov foi um escritor de início tardio na literatura e de poucas obras, com só três grandes romances (além da produção juvenil), destacando-se, dentre eles, Oblómov como sua obra principal.
Ele foi solteiro a vida toda, após uma suposta desilusão amorosa, e era funcionário público de carreira – provavelmente por ele caricaturiza tanto o serviço público em seu livro. Diz-se que era caseiro, desconfiado, e no fim da vida ficou meio paranoico e arranjou encrencas com outros escritores contemporâneos.

Diz-se que ele apreciava o conforto e a boa mesa e era, inclusive, fisicamente parecido com Oblómov. Nada a surpreender – todo personagem sempre tem uma gota de autobiográfico. Além disso, ele teria retratado ironicamente no fim do livro, como o “literato gordinho” que passeava com Stolz, e a quem o personagem contou sobre Oblómov.


A HISTÓRIA
Iliá Ilitch Oblómov é um rico senhor de terras que vive, na capital, das rendas que lhe mandam de sua propriedade campestre. Ele não sabe fazer nada; foi educado à força, tentou alguns ramos de trabalho e não se adaptou, não se adaptou à Sociedade (bailes, festas, visitas, fofoca) e, com cerca de 30 anos quando nos encontramos com ele, está mofando em sua casa, seu divã e seu roupão. Sua vida transcorre entre uma refeição e outra, uma soneca e outra, rotina interrompida por visitas ocasionais que trazem notícias do mundo de fora, as quais Oblómov escuta pacientemente, sem muito interesse e sem se agitar. A agitação, aliás, é uma coisa que lhe causa repulsa.
Toda a primeira parte do livro transcorre em um dia na vida de Oblómov, onde somos apresentados a seus conhecidos, a seu criado Zakhar (uma interessante figura, moldada no mesmo tecido de seu patrão, ainda que em outra classe social), e aos problemas e projetos de Oblómov. Melhor dizendo, ao projeto: o sonho de reformar e reformular sua propriedade rural, Oblómovka, que está entregue na mão de administradores não dos mais honestos, e mudar-se pra lá, quem sabe com uma esposa, pra levar a vida calma e prazerosa que viveu em sua infância. Oblómov pensa e repensa em seu “plano” para Oblómovka, que constitui toda a sua vida intelectual, mas nunca o conclui.
Os problemas de Oblómov – ser logrado por seu administrador, que não lhe manda a renda da aldeia fielmente, e um iminente despejo do apartamento – são o que o movem, a contragosto, para a próxima fase de sua vida.
Iliá tem um amigo de infância, o russo de descendência alemã Andrei Stolz, que era filho de seu professor na província. Eles cresceram juntos, mas Stolz tem a personalidade muito diferente da de Oblómov, não consegue ficar parado e é bastante autoconfiante. Ele não aparece com frequência no livro, e quando aparece, é principalmente para resolver os problemas imediatos de Oblómov e tentar arrancá-los da letargia, a segunda parte, quase sempre sem sucesso.
Duas soluções se apresentam a Oblómov para o problema da casa; uma trazida por Tarántiev, um tremendo aproveitador e criatura bastante rude, que Zakhar mal suporta, e outra trazida por Stolz. Inicialmente, Oblómov abraça – ainda que meio forçado – a solução dada por Stolz, e aluga uma casa de veraneio perto da casa de umas conhecidas de Stolz, a moça Olga Sergueievna e sua tia.
A maior das revoluções da vida de Oblómov ocorre quando ele se apaixona por Olga. Que, de início, também se apaixona por ele, afinal, Iliá tem um temperamento muito dócil, humilde e sincero – e Stolz fez uma tremenda propaganda sobre a inteligência e o potencial do amigo, para a garota.
Quando eles se dão conta de que estão apaixonados, Olga amadurece tremendamente, e começa a meditar sobre como quer, de fato, levar a vida junto com Oblómov. Sem dúvida alguma, é ela quem dirige a relação. Sem vileza ou dissimulação, usa o amor de Oblómov por ela para “trazê-lo de volta à vida”, forçando-o à atividade, tanto física como intelectual. Mas a garota se esgota nesse processo, quando percebe que, embora ceda nas questões menores, Oblómov oferece uma resistência passiva e insegura quando se trata de tomar grandes decisões ou dar passos significativos para concretizar seus objetivos. Ao perceber que ela não é motivo suficiente para arrancá-lo de seu ciclo de letargia, e que Oblómov se contenta facilmente com um romance quase platônico, se não tiver que se incomodar, Olga termina bruscamente com ele, lançando-lhe em rosto seus pensamentos, numa das cenas mais fortes do livro.
Oblómov adoece. Você, que a essa altura do livro já se familiarizou com a personalidade do rapaz, já pode imaginar que, ao adentrar a quarta e final parte da história, vai encontrá-lo jogado bruscamente ao estilo de vida que tinha antes de conhecer Olga. O diferencial é que ele está em outro ambiente, que foi introduzido sutilmente nas páginas anteriores, como pano de fundo do romance de Iliá e Olga, e que agora cresce aos olhos do leitor.
Ao findar o verão, não podendo mais ficar na casa de veraneio e querendo acompanhar Olga para São Petersburgo, Oblómov precisa, novamente, mudar-se. Por falta de paciência para se aplicar em seus próprios negócios, acaba indo parar na casa que anteriormente Tarántiev tinha arranjado para ele, lá na primeira parte do livro.
Trata-se da residência da viúva de um funcionário público, Agáfia Matviéievna Pchenítsina, que mora com os dois filhos pequenos, Masha e Vánia, e o irmão, Ivan Matviéievitch, além de uma cozinheira (Akulina) e um porteiro, em um sobrado com horta em Víborg, subúrbio ou cidade-satélite de São Petersburgo. O irmão de Agáfia também é funcionário público, e uma criatura ofídica, da laia de Tarántiev. É ele quem gerencia os “negócios” da irmã, porque a mesma só entende de serviço doméstico, no qual, aliás, ela é excelente.
Lenta, imperceptivelmente, Agáfia cresce na história. O que é interessante, porque ela quase não tem falas no livro. Oblómov a acha bonita, e sabe apreciar muito bem seus dotes de dona de casa, já que ele é um adepto da boa mesa, mas seu interesse por ela não se compara à paixão por Olga – é passivo, sossegado, limitado. A mulher, por sua vez, se apaixona por ele, mas de um modo muito interessante, pois – e o autor frisa isso bastante – ela mesma mal se dá conta disso. Simplesmente adiciona à sua vida o novo propósito de promover o conforto de Iliá Ilitch, e vai cumprindo isso, sem maiores pretensões.
As lentes são desviadas de Oblómov por um momento, para contemplarmos as tramoias de Tarántiev e do irmão da proprietária, para arrancar mais dinheiro dele – esquemas que Stolz, habilmente, desfaz.
Acompanhamos também a rotina de Stolz e Olga, que acabaram se encontrando novamente no estrangeiro. E se apaixonando. Stolz, que ao contrário de Iliá, tem pulso e determinação para conseguir o que quer, pede a mão de Olga e eles se casam. Alguns anos depois, sem receber notícias de Iliá, eles decidem procurá-lo, e assim nos introduzem ao panorama final da história.
Se não quer saber o fim, pule o próximo parágrafo. Se não se importa com spoilers – já teve tantos nesse texto – prenda a respiração e continue.
Descobrimos que Oblómov está exatamente como tinha sido deixado; vivendo na casa da proprietária, mas até que bem, considerando que agora recebe muito mais renda da sua propriedade, que ele arrendou a Stolz e este botou em ordem. Descobrimos que seu estilo sedentário lhe causou alguns ataques do coração, e que a proprietária Pchenítsina vem tentando, sutilmente, prolongar-lhe a vida por meio de modificações da dieta e obrigando-o a exercícios leves. Descobrimos, por fim, que ele se casou com Agáfia Matviéievna e teve um filho com ela, chamado Andrei! Quando o Andrei original, Stolz, descobre sobre isso, ele dá Oblómov por perdido, arrastado para uma condição inferior à sua, e desiste de tentar modificá-lo – prometendo, todavia, não esquecer do pequeno Andrei.
Pouco depois, Oblómov morre, prosaicamente, em um ataque apoplético decorrente de sua vida sedentária; pode-se dizer até que morreu de obesidade. A morte de Iliá não é descrita como nenhuma grande tragédia, e, no entanto, eu – que não sou de chorar – não consegui evitar derramar um par de lágrimas. O gordinho afável já tinha se tornado meu amigo.
Stolz cumpre a promessa e leva o pequeno Andrei para educá-lo, para tentar fazer dele o que não conseguiu fazer de Iliá; os filhos mais velhos de Agáfia seguem suas próprias vidas, e Agáfia e Zakhar se consomem, decaem lentamente, sem o lumiar em torno de quem giravam. Agáfia vira, novamente, quase que uma serviçal do irmão folgado e sua nova família; Zakhar, após longos anos, já velho, cai na mendicância.
E a toda essa… é difícil dizer desgraça, mas ao próprio estilo de vida pachorrento, Stolz sentencia dando o nome de “Oblomovismo”.


OS PERSONAGENS
Oblómov é adorável e Stolz é admirável, mas já há textos bastantes que tratam desses dois personagens centrais da história. Muitos também falam de Zakhar. Meu destaque pessoal dessa obra, todavia, vai para as personagens femininas, que, na minha opinião, foram construídas bem e com bastante originalidade pelo autor.
Digo com originalidade porque a figura feminina na literatura russa quase sempre tem as mesmas cores. É bela, apaixonada, às vezes um pouco estranhe e/ou mimada. Olga Sergueievna talvez se aproxime um pouco desse estereotipo, em comparação com Agáfia Matviéievna, mas a verdade é que ambas estão muito longe, em sua própria esfera.
Pessoalmente, me identifiquei mais com Olga; ela queria ser mais do que simplesmente uma esposa, o papel reservado para as mulheres naquele tempo, apesar de querer ser isso também. Não me identifiquei tanto na fase em que ela estava namorando o Iliá, apesar de gostar da garota desde o começo, mas me identifiquei muito quando ela passou um tempo no estrangeiuro com Stolz e explorou-o, por assim dizer, para lhe trazer novas ideias e informações. Admirei muito sua mente ativa e incansável.
Quanto a Agáfia, eu realmente amei a simplicidade dessa mulher. Alguns poderiam dizer que ela foi retratada como uma subfigura, servil, deram-lhe um papel redutor da mulher, e outros argumentos feministas. Pois eu discordo antecipadamente de todas. Ela era uma pessoa tão sem egoísmo, mas sem esforço pra isso e sem orgulho de seu altruísmo… e precisamente isso a fazia uma pessoa única.
Eu fiquei muito brava no fim do livro, quando Stolz ficou escandalizado pelo casamento do Oblómov com ela, e a considerou uma pessoa “inferior”. Bem, eu vi esse casamento como uma probabilidade desde a primeira vez que Iliá ficou olhando para ela, e novamente quando ele tomou o café delicioso que ela havia preparado. No fim das contas, o ideal dele de uma esposa era, de fato, uma boa dona de casa (levando em conta o sonho dele sobre Oblómovka), e nesse sentido, Agáfia poderia fazê-lo muito mais feliz – na própria concepção de Oblómov sobre a felicidade – que Olga.


A INTERPRETAÇÃO CLÁSSICA
Na época em que o livro foi lançado, o crítico russo N. Dobroliúbov escreveu um artigo chamado “O que é o Oblomovismo”, em que elaborou a interpretação consagrada desse clássico russo.
Para o autor, Iliá Ilitch Oblómov representaria a Rússia senhorial, com suas relações de trabalho quase feudais, tradicionais, danosas tanto para servos quanto para senhores, reduzindo uns ao escravismo e outros à inutilidade. Andrei Stolz, por sua vez – inclusive em razão da origem alemã (europeia, não-russa) – representaria o “novo modo” de fazer as coisas, progresso, tecnologia, atividade. Basicamente, o futuro. Dobroliúbov entendia que o centro do livro estava na contraposição e conflito-sem-conflito das duas figuras, situação que retratava a Rússia naquele momento: com toda uma classe e uma estrutura sociais em declínio, enquanto outra se apresentava pra tomar seu lugar.
A interpretação casa bem com a situação que a Rússia vivia no momento, e o conflito tradição russa x europeização, antigo x moderno é tema de livros de outros autores, inclusive de muitas das obras de Dostoiévski. O tema da mudança gradual, mas significativa e irreversível, é implicado durante todas as quatro partes de Oblómov, especialmente na parte final. Assim, é possível aceitar a explicação de Dobroliúbov como uma das interpretações corretas.
Mas, durante a leitura do livro, você percebe que há milhões de outros enfoques possíveis para a obra, algumas das quais não tomam Oblómov como uma figura negativa. Afinal de contas, ele apenas tinha seu próprio jeito de ser feliz.
Há quem diga que nele está retratada a força passiva da paciência russa (é uma tese a aceitar, considerando a cena em que ele finalmente se irrita com Tarántiev e o coloca pra correr). Pode-se pensar também que o autor meio que concordava com o personagem, de que as pessoas faziam “muito barulho por nada”, se agitavam como baratas, quando a vida é, na verdade, muito simples.
Se a interpretação correta for essa última, imagino que o autor enlouqueceria nos tempos frenéticos em que vivemos.



6 comentários:

  1. o proprio romance é uma especie de auto-critica, alardeia virtudes deste livro que na verdade é apenas um livro com uma historia simples e para alguns produz interpretaçoes sobre a vida social russa, assim prefiro ainda dostoievisky e tosltoy.

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    1. Olá Lenin! Eu também prefiro Dostoiévski, mas gosto de experimentar coisas novas. Abraço!

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  2. Olá. A versão deste livro que você leu, da Cosac Naify, está esgotada. Só tem para vender alguns sebos que estão pedindo valores muito altos. Sei que é pedir muito, mas será que você podia fazer uma cópia em PDF deste livro, ou mesmo uma "xerox" e me enviar. É claro que arcaria com todos os custos e ficaria eternamente grato!
    Eu já tenho uma cópia em PDF da edição publicada no Brasil em 1966, pela extinta editora Cruzeiro. Mas gostaria muito de ler esta tradução do Rubens Figueiredo que foi feita direto do russo.
    Desde já, agradeço pela atenção.
    Att.
    João Vianêis.
    e-mail: vianeis@yahoo.com.br

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    1. Olá! Também não tenho o livro, li a edição disponível na biblioteca pública da minha cidade. Você pode procurar em uma biblioteca também. Boa sorte!

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    2. OK. Obrigado pela atenção. Vou ver se encontro.

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    3. João, pode me enviar esse pdf que você tem da edição de 1966? Estou à procura dela faz muitos meses! Meu e-mail é fany.vampire@gmail.com

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