BLOG PARA DIVULGAÇÃO DA LITERATURA RUSSA AOS FALANTES DE LÍNGUA PORTUGUESA.

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por Mariana Rodrigues[1]
ANTON PAVLOVITCH TCHÉKHOV nasceu em 29 de janeiro de 1860 (17 de janeiro, no calendário juliano), em Taganrog, cidade litorânea no sul da Rússia, próxima a Rostov-do-Don. O avô paterno de Anton foi um servo que comprou a própria liberdade. O pai, um pequeno comerciante, perdeu tudo o que tinha e fugiu para Moscou com a família para não ser preso pelas dívidas, mas Anton ficou na cidade para terminar os estudos.
Foi nesse cenário, sozinho em sua cidade natal e tendo que trabalhar para sobreviver e enviar dinheiro para a família em Moscou, que Tchékhov iniciou sua vida como escritor. Vendendo esquetes para jornais e dando aulas particulares, Anton seguiu em Taganrog até 1879. Várias imagens da juventude no sul da Rússia ressoam em suas obras: as pessoas que frequentavam o armazém do pai; as ruas da pequena cidade; os professores do liceu grego, onde estudou; as paisagens a caminho da casa do avô; cenas e personagens que aparecem em textos como “Minha Vida”, “O Homem no Estojo” e “A Estepe”.
Com o fim dos estudos, partiu para Moscou para reencontrar a família. Lá, foi admitido na Faculdade de Medicina da Universidade de Moscou. Em uma carta a Grigori Rossolimo, um médico que era seu amigo, Tchékhov escreve que “Tinha, [...], uma ideia muito vaga sobre as faculdades e nem me lembro por que motivo escolhi a faculdade de medicina, mas depois não me arrependi dessa escolha”.
Ao chegar em Moscou, descobre que os pais e os irmãos viviam em um porão úmido, na miséria. A partir desse momento, Anton toma as rédeas da situação, não só financeiramente, mas também definindo as regras da casa. Um dos irmãos escreve: “A vontade de Anton passou a predominar. De repente, surgiram em nossa família máximas até então ignoradas: — Não é verdade. — É preciso ser justo. — Não convém mentir…”. Com isso, ele passa a ser o principal provedor da casa, escrevendo textos satíricos para jornais, sob o pseudônimo de Antosha Tchekhonte.
E mesmo após terminar a faculdade, atuando como médico, o trabalho com os textos era a principal fonte de renda de Tchékhov. Ele escrevia cada vez mais textos para diferentes revistas, atraindo a atenção dos leitores comuns e dos intelectuais, como  Dmítri Grigoróvitch, escritor já conhecido do público russo e que foi quem influenciou Anton a levar a literatura a sério: “Estou certo de que o senhor está destinado a escrever obras verdadeiramente magníficas. Cometerá um grande pecado se não corresponder a tais expectativas. Para isso, é necessário o seguinte: respeitar um talento que se recebe tão raramente...”. Em resposta a essa carta, em 28 de março de 1886, Tchékhov escreve críticas bastante duras sobre a própria obra: “Tenho escrito os meus contos à maneira dos repórteres que tomam notas de incêndios: maquinalmente, meio inconsciente, sem a mínima preocupação nem com o leitor, nem comigo mesmo... [...]. Não gosto nem um pouco do meu livro. É uma salada, um amontoado de trabalhinhos de estudante, depenados pela censura e pelos redatores das publicações humorísticas.” O livro a qual se refere é Prióstri rasskázi (Contos multicores), publicado no mesmo ano das cartas.
É Grigoróvitch quem o apresenta a Alеksei Suvórin, dono e editor do Nóvoie Vrêmia (Novo Tempo), um notável jornal de São Petersburgo. Suvórin e Tchékhov se tornaram amigos muito próximos, amizade que rendeu uma extensa coleção de cartas trocadas entre os dois entre 1886 e 1902.
Ao começar a colaborar com o Nóvoie Vrêmia, e outros jornais de São Petersburgo e Moscou, Tchékhov chama a atenção geral para si. Nesse período, escreve para o tio, Mitrofan Tchékhov: “[...] Preciso lhe dizer que, em Petersburgo, sou agora o escritor da moda. É o que se percebe pelos jornais e revistas [...] que se ocuparam de mim [...] Como resultado do crescimento da minha reputação literária, está surgindo uma grande quantidade de encomendas e de convites [...]”. Isso colabora para que, em 1887, graças à coletânea de contos ”Ao Anoitecer”, ele seja agraciado com o Prêmio Púchkin “pela melhor produção literária distinta pelo seu valor artístico”.
Apesar de se iniciar na dramaturgia com “Platonov” em 1881, Tchékhov só voltaria aos textos teatrais em 1887 com “Ivanov”, peça escrita por encomenda. Malgrado a penosa experiência e o descontentamento com a montagem, ele segue tentando escrever teatro com a peça “O Silvano” (que mais tarde daria origem a “Tio Vânia”). É nesse momento que nasce a “teoria” da Arma de Tchékhov: se, no primeiro ato, há uma arma pendurada na parede, então, no último, ela deve ser disparada.
Desde 1884, Anton convive com a tuberculose, apesar de negar para os amigos e familiares que esteja contaminado e recusar tratamento por vários anos. Em 1889, depois que seu irmão mais velho, Nikolai, morre por conta da mesma doença, a saúde do escritor se torna mais debilitada.
Mesmo com o avanço da tuberculose, em 1890, decide empreender uma longa e árdua jornada até a colônia penal de Sacalina, ilha no extremo oriente da Rússia. Os motivos não ficam muito claros. Ele escreve a Suvórin que “a viagem não trará avanços nem à literatura, nem à ciência”, mas que a faria por “débito para com a medicina”.
Tchékhov percorre parte da ilha durante 3 meses, a fim de fazer o recenseamento da população local e analisar as condições sociais e sanitárias. Em carta a Suvórin, em 9 de março de 1890, relata a necessidade de tomar conhecimento das condições de vida na colônia e  fazer algo pelos habitantes: “[...] você escreve que Sacalina não é necessária para ninguém e não interessa a ninguém. Será que isso é exato? Sacalina pode ser desnecessária e sem interesse apenas para uma sociedade que não deporta para lá milhares de pessoas e que não gasta milhões com ela. [...] constata-se que deixamos apodrecer milhões de pessoas nas prisões, deixamos apodrecer à toa, sem razão, de maneira bárbara [...]”.
Apesar de Tchékhov ser conhecido por se abster de opiniões políticas (um ponto criticado por seus contemporâneos), é bastante claro, na carta escrita a Suvórin, que seu humor mudara: a mania sacalinosa, como ele mesmo chamava, o transforma. Esse tom varia entre crítica social, análise médica e compilação de material sociológico nos escritos que faz quando volta de viagem e que originaram o livro “A Ilha de Sacalina”, publicado entre 1893 e 1894. A viagem transforma também as obras ficcionais do autor, que ganham um tom muito mais sombrio a partir da década de 1890.
Em 1892, Tchékhov compra uma propriedade nas proximidades de Moscou: Miêlikhovo. Os quase seis anos morando na propriedade foram muito frutíferos não só para a literatura, mas também para a medicina. Durante esse período, escreveu as peças “A Gaivota” e “Tio Vânia”, além de contos como “O Monge Negro”, “Três Anos” e “Os Mujiques”. Como médico, tratou os camponeses durante os surtos de cólera na região. Recebia os doentes em casa, mas também viajava vários quilômetros para encontrar os que não podiam viajar até a propriedade. Tratava todos sem cobrar, nem mesmo pelos remédios. Construiu escolas, um corpo de bombeiros e uma clínica médica na região.
A vivência médica foi grande influenciadora da obra tchekhoviana e isso fica evidente principalmente nos contos “Enfermaria Nº6” e “O Aniversário”. Em carta a Rossolimo de 11 de outubro de 1889, Tchékhov diz: “Não tenho dúvidas de que meus estudos de medicina tiveram uma grande influência em minha atividade literária. [...] Eles tiveram inclusive uma influência orientadora. [...] sempre tentei, quando possível, levar em consideração os dados científicos;  quando não era possível, preferia não escrever absolutamente nada”.


Em 1899, depois de uma hemorragia causada pela tuberculose, o escritor decide se mudar para Ialta, no sul da Rússia, onde havia construído uma casa no ano anterior. Lá recebeu visitas bastante conhecidas, como Lev Tolstói e Maksim Górki. Enquanto viveu em Ialta, escreveu as peças “O Jardim das Cerejeiras” e “As Três Irmãs”, além do famoso conto “A Dama do Cachorrinho”.
Tchékhov tinha aversão ao casamento, mas, em 1901, se casa com Olga Knipper, atriz do Teatro de Artes de Moscou, que conhecera durante os ensaios da peça “A Gaivota”, em 1896, cuja montagem fracassara, para desapontamento do autor. Eles não vivem muito tempo juntos: ele segue em Ialta, por conta da condição de saúde, e ela em Moscou, por causa do teatro.
Em janeiro de 1904, acontece em Moscou a primeira apresentação de “O Jardim das Cerejeiras” que granjeia um grande sucesso . Em seguida, Tchékhov volta para Ialta e logo sua saúde sofre um baque. Em junho, ele parte para Badenweiler, no Império Alemão, e lá falece em 15 de julho de 1904, aos 44 anos.
A obra de Tchékhov traduz o cotidiano russo da segunda metade do século XIX e é essencial para entender a sociedade do seu tempo. Suas miniaturas, às vezes sem um começo ou desfecho definidos, dizem muito sobre quem somos, mesmo nesses dias do século XXI.
Tchékhov sempre tem algo a dizer sobre nós e para nós.
As cartas citadas neste texto estão, em sua maioria, traduzidas para o português. Você pode encontrá-las em:
  1. ANGELIDES, Sophia. A. P. Tchékhov: Cartas Para Uma Poética. São Paulo: Edusp. 1995. 
  2. ANGELIDES, Sophia. Carta e Literatura: Correspondência entre Tchékhov e Górki. São Paulo: Edusp. 2001.
  3. LAFFITTE, Sophie. Tchekhov. Tradução de Hélio Pólvora. Rio de Janeiro: José Olympio, 1993.
  4. TCHÉKHOV, A. P. Um bom par de sapatos e um caderno de anotações: Como fazer uma reportagem.  (Coleção Prosa). Seleção e prefácio de Piero Brunello. Tradução de Homero Freitas de Andrade. São Paulo: Martins, 2007. 
  5. TCHÉKHOV, A. P. Sem trama e sem final: 99 conselhos de escrita. (Coleção Prosa). Seleção e prefácio de Piero Brunello. Tradução de Homero Freitas de Andrade. São Paulo: Martins, 2007.
  6. TCHÉKHOV, A. P. Cartas a Suvórin (1886-1891). Tradução de Tradução de Homero Freitas de Andrade e Aurora F. Bernardini. São Paulo: Edusp, 2002.

Em inglês há duas biografias bastante úteis para conhecer mais sobre Tchékhov, sua obra e sua Rússia:
  1. RAYFIELD, Donald. Chekhov: A life. Nova Iorque: Henry Holt, 1998.
  2. BARTLETT, Rosamund. Chekhov: Scenes from a life. Londres: Free Press, 2005.

Uma quantidade considerável das peças e dos contos de Tchékhov também estão traduzidos para o português:
  1. TCHÉKHOV, A. P. Ivánov. Tradução de Arlete Cavaliere. São Paulo: Edusp, 2014.
  2. TCHÉKHOV, A. P. A Gaivota. Tradução de Rubens Figueiredo. São Paulo: Cosac Naify, 2014. 
  3. TCHÉKHOV, A. P. O Duelo. Tradução de Marina Tenório. São Paulo: Editora 34, 2014.
  4. TCHÉKHOV, A. P. Minha Vida. Tradução de Denise Sales. São Paulo: Editora 34, 2013.
  5. TCHÉKHOV, A. P. Três Anos. Tradução de Denise Sales. São Paulo: Editora 34, 2013.
  6. TCHÉKHOV, A. P. A Ilha de Sacalina. Tradução de Rubens Figueiredo. São Paulo: Todavia, 2008.
  7. TCHÉKHOV, A. P. O Jardim das Cerejeiras Seguido de Tio Vânia. Tradução de Millôr Fernandes. Porto Alegre: L&PM. 2011.
  8. TCHÉKHOV, A. P. O Beijo e Outras Histórias. Tradução de Boris Schnaidermann. São Paulo: Editora 34, 2010.
  9. TCHÉKHOV, A. P. As Três Irmãs. Tradução de Klara Gouriánova. São Paulo: Peixoto Neto, 2009.
  10. TCHÉKHOV, A. P. A Dama do Cachorrinho e Outros Contos. Tradução de Boris Schnaidermann. São Paulo: Editora 34, 2009.
  11. TCHÉKHOV, A. P. Os Males do Tabaco e Outras Peças em Um Ato. Tradução de Homero Freitas de Andrade. São Paulo: Ateliê, 2001.
 Aqui no blog, há resenhas da peça "As trêsirmãs" e de alguns contos do escritor.


[1] Mariana Rodrigues é graduada em Letras pela Universidade de São Paulo e trabalha como revisora de textos. É apaixonada por gatos, livros, cultura e literatura russa. Escreve no @literatsia.

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